Fruto
de uma mentalidade pós-moderna que prega não haver absolutos morais que determinam
os comportamentos humanos, o mundo ocidental tem encontrado na música um meio
singular de expressar seus anseios e angustias. Através da arte musical, o ser
humano encontra a transcendência, e assim lida com sua realidade. A
subjetividade musical é a base para um encontro objetivo com o mundo real.
E
isso não é diferente no contexto cristão. Hoje, podemos dizer, estamos vivendo
uma época que pode ser caracterizada por avivamento musical. De certa forma, a
música sempre foi parte funcional nas liturgias de culto. Desde o Antigo
Testamento, passando pelo Novo Testamento, e através da historia do Cristianismo,
a despeito das culturas, a música foi fundamental na expressão da adoração do
povo de Deus. No entanto, o que pode se perceber na atualidade, e de uma forma
especifica, no contexto evangélico brasileiro, uma supervalorização, ou quem
sabe até uma inversão de valores, na utilização da música como meio de
adoração.
Duas
verdades devem ser compreendidas: a música tem o seu lugar na adoração a Deus.
Porque através da música, expressamos tanto o que sentimos para Deus, quanto
através dela evidenciamos como desejamos adorar a Deus. Por outro lado, com seu
papel “funcional” e dinâmico, a música na igreja pode ser um meio para
enxergarmos algumas tendências de perspectivas e valores dentro da sociedade
cristã. Com isto em mente, avaliando a cultura musical na igreja evangélica
brasileira, pensei em de falar sobre algumas destas tendências que podem comprometer
as verdades do Evangelho, promovendo ideias errôneas sobre uma espiritualidade
genuína.
Adoração e musicalidade – os meios se
tornando os fins.
Nossa cultura é basicamente uma cultura musical. Vivemos na cultura dos
“ídolos”, o “fama”, o Show de calouros do Raul Gil, etc., A musicalidade é
parte da cultura brasileira. Tantos ritmos, melodias e batidas compõem esta
cultura em todos os aspectos. Não é diferente na igreja. A igreja é uma
expressão da cultura, mesmo que alguns não aceitem. Note bem que um culto,
qualquer que seja, tem que ter uma canção para introduzir ou fechar, do
contrario fica muito “sem graça”. Esta cosmovisão não causa problema, já que Deus
criou todas as expressões artísticas. A grande questão é quando a música se
torna um fim em si mesmo e não um meio para louvar e adorar ao Senhor.
A
musicalidade na adoração judaico-cristã primitiva era um dos meios de expressar
adoração a Deus. O musica como meio de adoração sempre foi parte do povo de
Deus. Davi mandou louvar ao Senhor com todos os ritmos e instrumentos (Sl 150).
Jesus cantou um hino, na sua ida para o Getsemane ( Mt 26:30). A Igreja
primitiva tinha o louvor como parte de seu dia a dia (At 2:47). Paulo e Silas
louvaram a Deus na prisão (At 16:25). Paulo recomenda às igrejas que pratiquem
o Louvor a Deus (Ef 5:19; Cl. 3:16). Contudo é importante destacar que a música
não era conclusiva, um fim em si, mas um meio, ou seja, um meio de comunicar
adoração ao Senhor!
Adoração e emotividade – a experiência do
sentir validando o que se crê. A música brasileira é recheada de um
emocionalismo que vai desde a estética, a beleza sensível, a um hedonismo
desenfreado, a busca do prazer. Quando se tratando do louvor, percebe-se que há
certa influencia desta natureza. O apelo emocional já faz parte da vida de
muitos pregadores e ministros de louvor como estratégia para levar o povo a
tomar uma decisão ou fazer algo. Muitos usam figura de linguagem, imagens e ate
vídeos para comover as pessoas e sensibilizá-las na fé. Certamente não me
oponho a fazer uso de recursos para explicar algo ou até mostrar uma realidade,
contudo este método se torna despropósito e errado quando induz a idéia de que
a fé e a verdade já não são suficientes para o relacionamento com Deus. É como
se a fé necessitasse de algo a mais para ser válida. Este tipo de adoração gira
em torno das “experiências pessoais”.
A Bíblia não
despreza as emoções a despeito da razão, ou vice versa. Não existe esta
dicotomia e sim uma integralidade do indivíduo. O indivíduo é visto como um
inteiro e não em partes. Jesus disse que o primeiro mandamento é amar “Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo
o teu entendimento” (Mat 22:37). Jesus está afirmando que o nosso amor a Deus
deve envolver todo nosso ser, inclusive nossas emoções e sentimentos. Este é o
verdadeiro culto racional (Rm 12:1), um culto integral!
Adoração e teologia - a êxtase do som sobre as palavras. A música é extática;
ela nos transporta para um outro mundo, uma outra realidade. Nos sentimos bem
ouvindo uma música bonita; o ambiente e nossa disposição se alteram com seus
sons. A música nos deixa mais tranqüilos, mais apaixonados, mais felizes, etc.
No entanto, quando se diz respeito à adoração não devemos ignorar uma pergunta
importantíssima: o que estamos cantando corresponde ao que cremos? Qual a
teologia das músicas que cantamos? O que é mais importante a melodia gostosa da
música ou a teologia que esta canção traz? Estas perguntas são cruciais, porém
infelizmente nem todos tem tido esta preocupação. Temos visto e ouvido cantores
que não trazem nenhuma mensagem com profundidade, e, assim, estão oferecendo “fogo estranho no altar do
Senhor”. O mercado “gospel” tem sido muito rentável ultimamente e até já se
fala de “marketing cristão”. É de admirar que muitos servos de Cristo tenham se
enveredado por este caminho, ou por este “outro evangelho” do capitalismo. Adoração sem teologia não passa de uma
ilusão!
Os Salmos
eram teologia cantada ou melodiada. A palavra hebraica para Salmos é tihillim que significa melodias ou
cânticos de louvor. O termo “salmodiar” veio desta idéia de entoar salmos de
louvor ao Senhor, ou cantar a realidade de Deus para sua vida. Os salmos
estavam diretamente relacionados com a ação de Deus na vida e na historia do
seu povo. Os salmos apresentam algumas características importantes:
i.
Eram
centrados em Deus. Deus era o sujeito e não o objeto. Este conceito de Deus não
dava margem para diabologia, anjeologia, etc. Deus é o centro de tudo e nada
Lhe faz frente! Ele é o Criador de tudo; é soberano sobre todas as coisas e
governa e sustenta todas as coisas (Sl 19).
ii. Eram declarativos,
ou seja, falavam das obras e do Caráter de Deus. Os salmos falam de Quem Deus é
e do que Ele faz. Ele misericordioso (Sl 136); é o bom Pastor (Sl 23); o
Salvador e Libertador (Sl 126).
iii. Eram missionários.
Tinham o objetivo de fazer o nome de Deus conhecido entre as nações (Sl 2).
Adoração e individualidade – a supervalorização
do “eu” no culto ao Senhor. Hoje em dia, em muitas situações, o culto
Cristocêntrico já se tornou Egocêntrico. Igrejas são descartáveis, qualquer
problema, procuramos outra; pastores são descartáveis, se não gostar dele,
elegemos outro, e por ai vai. A tendência do crente desta geração pós-moderna,
capitalista, pragmática e utilitarista é simplesmente ser o centro; ter seus
interesses garantidos e promover sua própria imagem. Esta atenção exagerada no indivíduo, mesmo nos
momentos de adoração, descaracteriza a essência e o propósito da verdadeira
adoração. O agravante para esta perspectiva individualista é que adoração não
assume qualquer compromisso com a comunidade. Cada um adora como quer e do
jeito que quer, não há responsabilidade com o próximo, não há prestação de
contas, não há confissão, não há testemunho!
No A.T adoração sempre envolvia a comunidade, o
povo de Deus. Uma adoração que só gira em torno de si e de seus interesses, não
é aceitável por Deus! A Bíblia fala de individualidade, mas abomina a idéia de
individualismo. A adoração na Bíblia tem uma forte conotação publica e
comunitária. É claro que Jesus falou para orarmos a Deus em secreto (Mt 6:6),
mas isso não implica em individualismo e sim numa atitude não hipócrita, isto
é, orar só para parecer mais “espiritual” do que os outros. O problema do
individualismo é que se torna isolacionista. O indivíduo se isola e não pratica
a comunhão verdadeira no Corpo de Cristo.
Adoração e experiência mística – uma
espiritualidade desumana. Fala-se muito na linguagem teológica de nossa “união
mística” com Cristo; dos sacramentos como meios de graça, etc. A Bíblia não omite o aspecto místico da fé,
contudo estas experiências nos apontam para a objetividade do Cristo, o
Logos! O místico da Biblia resulta na
vida; o subjetivo resulta no objetivo. Muitos crentes se perdem na
espiritualização das coisas e esquecem-se de ser humanos. Deus não deseja que
sejamos anjos para adorá-Lo, antes, Ele quer que O adoremos como fomos criados
por Ele. Esta tendência misticista dentro da igreja tem afetado a adoração e a
forma como as canções são entoadas. Há um misticismo dentro da cultura musical
evangélica ao tal ponto de criar um ambiente de promoção sugerindo que os ministros de louvor, especialmente os
que estão na mídia, estão mais pertos de Deus, são mais ungidos, “quase-anjos”,
etc., criando assim uma nova categoria de ser humano!
Isso
é a repetição clara do que acontecia na igreja de Colosso. Havia um grupo naquela
Igreja que se achava mais espiritual do que o restante da comunidade pois dizia
ter experiências sobre-humanas, tendo visões e cultuando anjos, pretextando uma
falsa humildade (Cl 2:18). O apostolo Paulo foi categoricamente contra isso,
orientando a Igreja a prestar uma adoração objetiva, humana e cristocêntrica. Esta atitude super-espiritualizado, que pensa
estar acima de todos por causa das experiências místicas, que é o “ungidão” do
pedaço, na realidade é extremamente desumana, já que Deus deseja que O adoremos
não apenas no monte das transfigurações ou das experiências mirabolantes, mas
no dia a dia, no nosso próprio quarto, onde experimentaremos o Seu amor real e
sobrenatural, nos fazendo mais humanos à semelhança do Seu próprio Filho!
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Eu acho que hoje o meio musical gospel esta sim cheio de musicas para vender ou cheias de repetições
minha pergunta é como se desviar dessas musicas?
como saber se uma musica tem valor apologético?
E não comercial
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