A mentira é, sem dúvida, um dos “pecados” que mais
detestamos – especialmente quando nós somos a vítima! Podemos até tolerar
algumas falhas e ofensas contra nós, mas quando envolve a mentira, tudo fica
muito, mas muito mais difícil. Nos sentimos “apunhalados” e traídos quando as
pessoas que amamos nos enganam; nos magoamos profundamente quando as pessoas
são fingidas nos relacionamentos; ficamos arrasados com a falta de sinceridade
e a falsidade; nos revolta quando somos iludidos com “meias verdades” de
políticos ou quem quer que seja; temos pavor quando distorcem a verdade a nosso
respeito a fim de nos prejudicar. Enfim, não suportamos a mentira; ela causa em
nós uma ojeriza!
Aristóteles certa vez disse: “Que vantagem têm os
mentirosos? A de não serem acreditados quando dizem a verdade". É verdade.
A mentira afeta nossa capacidade de confiar novamente. Com isso, quero dizer
que a dor causada pela falta da verdade, ou por sua distorção, é diretamente
proporcional ao nível de confiança que tínhamos. Quanto maior a confiança,
maior será a dor da decepção. Esta é a mais pura verdade. Perdemos a confiança
naquele que não consegue sustentar uma verdade! E quantos bons relacionamentos não
têm sido destruído por causa da mentira...
Além disso, há aquelas mentiras já “institucionalizadas”,
aquelas que todo mundo já pressupõe como verdade. Geralmente estas mentiras vêm
como histórias e lendas de um povo, costumes, crenças e pressupostos. Por
exemplo, no período do Brasil escravocrata, surgiram algumas lendas que eram,
na verdade mentiras criadas pelos senhores das terra a fim de causar medo nos
escravos e assim manter o domínio sobre eles. Por exemplo: comer leite com
manga. Eles diziam que fazia mal comer manga com leite. A razão não era
científica, muito menos medicinal, mas simplesmente econômica. Na realidade, eles não queriam que os
escravos bebessem o leite para não afetar a produção do “ouro branco”. Já as
mangas eram produzidas naturalmente, e os escravos eram liberados para comer
livremente. Outra lenda mentirosa era a do lobisomem. Era dito que este mostro
metade homem metade lobo vagueava pela noite e devorava pessoas. Esta lenda, na
realidade, era um mecanismo usado pelos senhores de escravos para infundir medo
nos escravos e assim eliminar ou pelo menos reduzir qualquer possibilidade de
eles fugirem! Muitos governantes e até líderes religiosos se aproveitam do
poder destas mentiras, ou criam outras tais como a mentira do “pão e circo”, para dar continuidade a suas manipulações
sobre a massa!
Mas o que é a mentira, afinal? Os gregos antigos
empregavam dois termos que exprimiam o sentido de mentira: pseudes e sophisma. A
ideia básica de pseudes é a de
adulterar ou falsificar algo verdadeiro; daí o sentido de falsidade e engano.
Por exemplo, uma pseudomarturia era
uma testemunha falsa, que contrariava ou alterava a realidade dos fatos a fim
de enganar e assim induzir outros ao erro. Baseado nisso, podemos definir a
mentira como uma “afirmação contrária à verdade a fim de induzir ao erro”. Isto significa que ela é o contrário de ou a
distorção da verdade. Se a verdade é o que está em conformidade com a lógica e
os fatos da realidade, a mentira é uma afirmação contrária ou parcialmente
contrária a verdade. Falo “parcialmente”, porque muitas vezes, a mentira pode
vir também “mascarada” de algo bom e atraente – até o próprio satanás se
transforma em anjo de luz (2Cor 11:14).
O termo sophisma
indicava uma mentira com pressupostos filosóficos. Os sofismas poderiam ser
chamados de “falsas verdades”. Para os pensadores, o fundamento da verdade
lógica era, em última análise, o processo dialético de teses e antíteses a fim
de se chegar a síntese da pura verdade. Porém quando os métodos dialéticos eram
usados de forma enganosa e capciosa, eles diziam que estavam usando o argumento
sofismático. Por isso, o sofisma era uma “falsa” verdade porque era formado de
premissas verdadeiras mas que resultava numa síntese falsa. Por exemplo: todo
homem é um ser humano; a mulher é um ser humano; logo todo o homem é mulher!
Observa que as duas primeiras premissas são verdadeiras, mas a síntese das duas
é falsa, portanto um sofisma! Citarei agora outro exemplo de um sofisma sutil
que resultou até em um dogma da igreja católica. O raciocínio é este: Maria é a
mãe de Jesus (verdade!); Jesus é Deus (verdade!); logo Maria é a mãe de Deus
(falso!). Assim, segue-se que o sofisma
é o argumento ou raciocínio que produzia uma ilusão da verdade; ele usava as
regras da lógica para fins de distorção da própria lógica e por fim da verdade.
Embora tinham aparência de verdade, os sofismas eram inconsistentes com a
verdade.
Mas a mentira, por mais “bonitinha” que seja, é sempre
mentira e seu efeito será sempre maléfico. Por mais que tenha “aparência” de
verdade ela será sempre uma distorção da verdade, e a mente humana continuará a
rejeitá-la. Isto pressupõe que o ser humano abomina a mentira porque ele foi
criado com um anseio pela verdade e para se alegrar com a verdade. Em suas
confissões, Agostinho escreveu: “pergunto a todos se preferem encontrar a
alegria na verdade ou na falsidade?”. Ele faz esta pergunta justamente para
pontuar que ninguém se alegra com a mentira, e diz que todos preferem ser
felizes na verdade. Daí ele chega a uma conclusão: “a vida feliz é a alegria
que provém da verdade. Tal é a que brota de Ti, ó Deus...” (Agostinho.
Confissões, Livro 10, 23). Seu argumento é simples e objetivo: Deus fez o homem
com um anseio pela verdade; e como isto é algo inerente nele, o ser humano só
encontra real alegria na verdade de Deus. Por esta razão, o homem detesta a
mentira!
Isso nos leva a concluir que o ato de mentir não é um
problema simplesmente comportamental ou psicossocial. Parece que diz respeito a
pressupostos do coração, os quais norteiam os valores e crenças do indivíduo
até chegar aos comportamentos. Em outras palavras, a mentira é um problema
moral, como resultado dos efeitos noéticos do pecado. Desde a Criação, a
mentira foi o primeiro artificio de Satanás para seduzir Adão e Eva e
induzi-los ao erro. A Serpente “distorceu” a verdade de Deus a fim de persuadir
e levar os primeiros habitantes da terra a pecarem contra Deus. Depois de
convence-los a comer do fruto proibido, o diabo afirmou categoricamente contra
a verdade de Deus: “é certo que não morrereis” (Gn 3.4). A partir dali, o homem
se afastou da verdade de Deus e a mentira passou a fazer parte de todas suas
tramas pecaminosas em todas as dimensões.
Quando falo em dimensões, me refiro a duas. No
contexto bíblico, mentir é tanto falar quanto agir de forma contrária a
verdade. Estas são as duas dimensões da mentira. Há a mentira na dimensão da
fala, que é o ato de afirmar contra a verdade. Paulo diz: Por isso, deixando a mentira, fale cada um a verdade com o seu
próximo, porque somos membros uns dos outros (Ef. 4:25). Porém, há também a mentira na dimensão da ação
comportamental, que é chamada de hipocrisia. A hipocrisia tem a ver com o agir
com falsidade. Os hipócritas eram verdadeiros atores que dissimulavam suas
verdadeiras intenções.
As Escrituras deixam claro que Deus
odeia a mentira. A mentira é obra das trevas. Jesus afirmou que o diabo, o enganador
é o pai da mentira, porque ele escraviza pessoas com seus enganos e mentiras.
Em muitos lugares da Bíblia, é expressamente clara a ordem de não mentir. O
nono mandamento diz: “não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Ex.
20:16); Ananias e Safira morreram por que mentiram contra Deus (Atos 5:4);
Paulo fala para deixarmos a mentira e falar a verdade (Ef.4:25); e o apóstolo
João afirma que a mentira é obra das trevas (1Jo 1:5-10). Deus odeia a mentira porque Ele é Luz e
verdade, assim aqueles que tem comunhão com Ele, devem amar a Luz e a verdade e
odiar a mentira!
O verdadeiro cristão deve abominar a prática da mentira e
também confrontar os que tais coisas praticam.
Paulo diz para os crentes de Éfeso: “E não sejais cúmplices nas obras
infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as” (Ef 5:11). O crente verdadeiro
não apenas evita a mentira mas também reprova sua prática. A mentira é
confrontada de frente na palavra de Deus. Sabe por quê? Porque a mentira é um
meio pelo qual Satanás aprisiona pessoas e assim elas não serem libertas por
Cristo. Portanto, quando mentimos, ou somos coniventes com a mentira, passamos
a ser “parceiros” do diabo em seus enganos!
Infelizmente, muitos tem sido comparsas de Satanás nesse
sentido, pois mesmo sendo iluminados pela verdade ainda recorrem a este
mecanismo diabólico. Suas mentes estão cauterizadas
e a luz da verdade parece estar esmaecendo em seus corações. No fundo, a mentira
parece oferecer algum tipo de vantagem temporária ou mesmo um conforto. Ela se
torna um conveniente necessário para o indivíduo se dar bem em determinada
situação. Talvez o ato de mentir aqui não seja aquele categórico (afirmar
contra um fato ou contra a lógica), mas é aquele tipo transvestido de
jeitinhos, espertezas e omissões a fim
de “maquiar” a verdade e poder obter algum tipo de vantagem ou continuar na sua
zona de conforto.
Só que há um agravante. Estas práticas “inofensivas” da
mentira produz um ciclo vicioso e escravizador. O aparente “sucesso” da
mentirinha gera um certo prazer (ufa, me saí bem!) e consequentemente uma
escravidão. Isto quer dizer que o indivíduo mentiroso vai acabar dependendo de
outras mentiras subsequentes para sustentar a primeira! Por mais que ele se sinta
incomodado e constrangido a continuar omitindo a verdade, ele não vê outra
alternativa. Assim, ele se torna escravo de seus enganos, e preso naquele ciclo
vicioso da mentira, recorrendo a outras mentiras para acobertar uma outra.
Mas um dia este ciclo vicioso vai chegar ao fim e a
verdade vai eclodir. Isto é, a mentira tem pernas curtas! E aí que está o
problema. Quando chegar este dia, a coisa vai ferver e a “casa vai cair”. Vai ser
um processo doloroso porque a verdade agora virá com um poder de destruir toda
uma plataforma de engano que o próprio indivíduo construiu e sobre a qual ele
sobrevivia. Por isso, Agostinho escreve que o ser humano ao mesmo tempo que ama
a verdade, ele odeia a verdade. Este sentimento ambivalente, ele explica, é
porque a verdade é tanto para a iluminação quanto para repreensão. Ele diz:
“amam-na quando os ilumina, e odeiam-na quando os repreende. Não querendo ser
enganados e desejando enganar, amam-na quando ela se manifesta e odeiam-na
quando os descobre” (Agostinho. Confissões, Livro 10, 23). Em outras palavras,
Agostinho está dizendo que o homem se sente incomodado pela verdade, devido a
sensação de conforto que o pecado causa pela ausência da verdade. Daí, quando a
luz vem, incomoda e causa um impacto profundo. O ódio à verdade é justamente
porque ela, a verdade, como uma luz, brilha no confortável “quarto escuro” do coração
humano e descontrói toda esta plataforma de crenças infundadas, valores
enganosos e pressupostos mentirosos.
Muitos quando iluminados pela verdade, seguem sua luz e
outros fecham a porta para continuarem na escuridão. Jesus afirmou que “a luz
veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas
obras eram más. Pois todo aquele que
pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas
as suas obras. Quem pratica a verdade
aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas
em Deus” (Jo 3:19-21). A mentira só vencida pela verdade. Não vencemos a
mentira com outras mentiras ou meias verdades, mas pelo confronto direto com a
verdade. Jesus disse: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8:32).
A verdade possui o poder libertador e é pelo conhecimento da verdade que o
homem é liberto. Cristo é a Luz do mundo e a Verdade. Ele é a Luz que ilumina
sobre as trevas de nosso coração, e a Verdade nos liberta das mentiras de nosso
próprio coração, bem como das mentiras que o Diabo usa para tentar nos
aprisionar e nos manter distantes da Verdade.
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